quarta-feira, 9 de janeiro de 2013




A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber,

vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali,

uma revolta acolá.

Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila

e torce um pouco o pescoço.

Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés

e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola

pensando no fim de semana.

E se no fim de semana não há muito o que fazer,

a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito

porque tem sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza,

para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos,

para esquivar-se da faca e da baioneta,

para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar,

se perde de si mesma.


{Marina Colasanti}

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